banner

News

Jun 25, 2023

Análise

No género dos jogos de terror com elementos de sobrevivência, poucas franquias possuem a capacidade de se reinventar. Resident Evil 4 é um exemplo de que é possível revolucionar até jogos “intocáveis”.

Em 2005, o original Resident Evil 4 foi lançado para a velhinha Nintendo Gamecube e tornou-se de imediato um fenómeno de popularidade. Mas, anos antes, teve quatro versões diferentes em conceito, então para a PlayStation 2. Só que nenhum dos conceitos satisfez a produção, uma vez que alguns deles representavam autênticas descolagens da série original. Só para terem uma ideia, de um desses conceitos descartados, surgiu um tal de Devil May Cry. Finalmente, Shinji Mikami assumiu o controlo de tudo e criou o que é hoje um dos melhores jogos da franquia, na altura um autêntico reboot da sua oferta, jogo do ano no seu lançamento e um marco na história do género. Hoje vamos falar do seu remake.

O promovido agente Leon S. Kennedy tem uma nova missão delicada: salvar a filha do Presidente dos EUA, Ashley Graham, nome de código: “Baby Eagle”. A jovem foi raptada por uma seita obscura chamada Los Iluminados, que pode (ou não) ter tudo a ver com uma outra organização obscura com um nome parecido em Latim. Ao viajar para uma pequena mas misteriosa aldeia em Espanha, Leon é confrontado com uma dura realidade. Não está a lidar só com um mero grupo de fanáticos, há também um misterioso parasita à solta. Eventualmente, Leon acaba prisioneiro do culto e numa missão contra o tempo para travar uma enorme conspiração.

A trama, como é lógico, é o ponto fulcral da oferta do jogo original e também deste remake. Confesso que não joguei o título original da Gamecube, tendo apenas jogado o seu port para PlayStation 2 uns dois anos mais tarde. Assim sendo, os meus paralelismos são algo superficiais. Contudo, arrisco dizer que o enredo está intacto, havendo óbvios ajustes para tornar a história um pouco mais clara e contemporânea. Nada de especial nestes ajustes, porém. O tal receio dos fãs que Capcom alterasse a história que tornou o jogo tão memorável, felizmente, não tem fundamento.

Como disse acima, RE4 foi um marco na franquia, um reboot profundo da sua jogabilidade, introduzindo novidades importantes, como um maior foco nos tiroteios e deixando um pouco de lado o aspecto de terror e sobrevivência dos jogos anteriores. Trouxe também a lendária mira de laser para as armas, mais liberdade de movimentos, desmembramento, novas interações, novos controlos e muitos outros aspectos que seriam a base para os futuros títulos seguintes. Também por isto, RE4 é um jogo muito especial para a Capcom.

Por isso, o peso sobre os ombros da produção para este remake era óbvio. Modernizar um jogo clássico é um trabalho de cuidado e atenção ao material original. Quando se trata de um clássico de cariz incontornável, querido pelos fãs e tão pivotal na franquia, o peso torna-se ainda maior. A Capcom já tinha demonstrado uma enorme capacidade de reinvenção com os anteriores remakes recentemente lançados e o RE Engine já tinha dado provas de ser capaz de nos surpreender. Nada a temer, vamos em frente.

É mesmo possível reinventar um clássico, reciclando-o profundamente. O ritmo e jogabilidade são praticamente os mesmos, com os mesmos momentos caóticos rodeados de “Ganados”. No entanto, embora o combate pareça realmente intacto, agora Leon parece mais focado nos desvios e bloqueios dos ataques que somente a disparar até ficar sem munição. Parece-me muito importante dominar o pontapé rotativo ou a placagem, porque só depender das armas é enganador. É também possível apostar no ataque furtivo, o que torna os encontros bastante flexíveis.

Contudo, mesmo sendo um jogo memorável, em certos momentos a jogabilidade ainda sofre um pouco no seu conceito inovador da altura. Algo que me lembro perfeitamente que me frustrava no original era ver os inimigos rodearem Leon aos magotes, por vezes de forma algo exagerada. Entendo que o nível de dificuldade aqui, envolve saber lidar metodicamente com esta ameaça, que age como uma “onda” avassaladora se não tivermos cuidado. É preciso, de facto, vencer perante fracas probabilidades. Mas, a Capcom podia ter baixado um pouco o nível de dificuldade em alguns momentos, especialmente nas secções com Ashley.

A filha do Presidente é o perfeito contraste de Leon. Ashley está desarmada, é vulnerável aos ataques e, de certa forma, pode ser uma grande “chatice” de proteger. A dada altura, já não estamos só preocupados com o nosso dano mas também com o dela, o que acrescenta mais um nível de dificuldade. Felizmente, a sua energia foi revista e é possível comandá-la para seguir de perto ou afastar-se de Leon. Mesmo assim, há momento com muitos inimigos que não conseguimos realmente evitar todos os golpes. Felizmente, não é tão frequente como o que me lembro do original.

Com esta dificuldade latente, é muito importante que constantemente melhoremos Leon com upgrades, armas, equipamento e consumíveis. Isto, porque, como é lógico, o nível (e quantidade) de adversários vão aumentando e ficando mais agressivos a cada nova etapa. Neste remake, a Capcom permite um muito bem vindo aumento progressivo do inventário e ainda obter uma série de bónus nesse processo. Há até uma forma de melhorar as armas com um mini-jogo… mas vou deixar que o descubram, porque é um dos meus maiores vícios neste jogo.

Quando não estivermos aos tiros ou ao pontapé, ao bom estilo desta série estaremos a resolver puzzles. Ou então temos pequenas missões de busca de itens que destoam um pouco do resto da acção. Confesso-me algo dividido quanto a este tipo de oferta. Por um lado, dá variedade ao jogo, por outro, quebra imenso o ritmo. Alguns dos quebra-cabeças são fastidiosos e algumas missões são algo básicas. Parecem adicionadas para longevidade e não acrescentam muito à trama. Enfim, é mais para jogar, por isso, tudo bem.

Um pormenor que esperava que a Capcom revisse um pouco nesta reedição, era a sua linearidade. A ideia era que RE4 quase nos obrigava a seguir “sempre em frente” na história e nas zonas de jogo, deixando pouca margem para “absorver” o jogo. Aqui, pouco mudou. Esperava sinceramente alguma exploração mais profunda de certos momentos do enredo. A fidelidade ao original é louvável mas o “empurrão” permanente para a próxima secção, embora mais “suave” está lá e era algo dispensável.

Felizmente, noutros lados a produção teve o devido cuidado em modernizar o jogo de forma mais lógica. Os infames Quick Time Events, um formato de jogo que sinceramente abomino há anos, foram revistos, ligeiramente menos penalizadores e algo mais lógicos, disponsáveis na mesma. Também gostei de algumas revisitas a certas personagens, tornando-as um pouco menos caricatas, acontecendo o mesmo com certos momentos do jogo que eram francamente “tontos” no original. É um pouco mais sério, mantendo apenas alguns “quirks” típicos.

Por fim, o visual. Não há muito a dizer… excepto que é realmente soberbo. Na PlayStation 5, revelou-se um título com enorme detalhe, na linha dos demais remakes e jogos recentes de Resident Evil. De facto, não esperava outra coisa, com cenas intermédias fantásticas e momentos em jogo em que os efeitos visuais e a iluminação e sombras criam a devida tensão. Algumas animações continuam a parecer algo “robotizadas” mas, hey, é um remake de um jogo de 2005, o salto qualitativo é inegável.

De facto, o remake de Resident Evil 4 é mais uma óptima demonstração do poder da Capcom de reinventar um conceito. O original marcou um ponto de viragem para a série, o remake é um ponto de viragem para o próprio título original. Melhora-o tecnicamente, lima várias arestas e dá-lhe um novo visual. Mas, mantem o essencial intacto. Por vezes demasiado intacto, é certo, mas com imenso respeito pelo legado em mãos. Absolutamente recomendado aos fãs do original e para quem quer (re)descobrir um dos melhores thrillers de terror de sempre.

Produtora: Editora: Lançamento: Plataformas: Género: Resident Evil 4Resident Evil 4 Capcom
SHARE